Manifesto contra a conivência

Faz décadas que não escrevo…

Desde que postei meu último texto, já se passaram outonos e primaveras. Voltei para minha terra (Brasil) porém, as jornadas internas não cessam. É sobre uma destas descobertas que quero falar.

Desde criança, sempre fui um ser colorido, barulhento, extravagante. Tudo o que se via e ouvia, eram cachinhos correndo pra lá e prá cá, com vestidos de florzinha e um requiem de risadas estrondosas entrecortadas por milhões de palavras e frases, disparadas feito metralhadora. Sim, eu era e sou uma faladeira de mão cheia. A coitada da minha mãe ficava com o “escutador de novelas” zureta, de tanto ouvir as minhas infindáveis idéias e firulas!

Se era pra inventar a brincadeira, arrumar o teatro, criar a história…lá estava eu, que nem Pedro Álvares Cabral, descobrindo o mundo numa espaço-nave super-sônica de papelão. Ou então, voando alto no meu carrinho-de-rolimã com sistema de freio ABS. Podia ser um enredo para justificar o vestido novinho que minha Vó Nicra e eu fizemos para minha Barbie Aniversário. Minha mente não tinha limites. O vestido era de baile e ninguém vai à um sem uma boa história.

Como toda criança,  também aprendi – por osmose- que tinha que ser boazinha. Tinha que ficar quietinha pois, o papai estava uma onça no cio e ninguém podia incomodá-lo. Tinha que falar baixo e mascar chiclete de boca fechada (quando ouvi essa, fiquei um bom tempo sem mascar meu Bubballo favorito). Tinha que cumprimentar todos da família e varrer meu “mau humor” ou “vírus anti-social” para debaixo do tapete. Tinha que gostar de todas as pessoas, tinha que, tinha que, tinha que…

Confesso que pra alguns desses “tinha quês” dei uma baita banana. Cumprimentar aquelas meninas remelentas, chatas e metidas???? Nem à pau, Juvenal!  Ir lá fazer o número do macaco amestrado, pra depois as tias ficarem estragando meus cachos? Tô fora! Só ia se eu e primos tivéssemos uma peça de teatro pronta pra encenar e precisássemos de uma platéia fiel!!!

Minha mãe vinha com umas idéias do tipo: “Nossa Jô, você é muito anti-social! Tem que cumprimentar as pessoas! São sua família!”. Eu olhava pra ela, soltava uns marimbondos e ia para o meu quarto, sem falar com ninguém. Não estava afim. Claro que ela não era a única a engrossar o côro das “Santas Carpideiras do Almoço de Domingo”: tinha tia, vó, primo mais velho… mó galera cantando este refrão!

Não tinha a menor vocação pra ser a Barbie “Sala de Estar”, que fica soltando sorrisinhos amarelos e que se obriga a ficar horas e horas ouvindo aquela chatice infindável de parente e visita surpresa.

Se bicho cresce e forma seu bando, adolescente, assim que desponta a primeira espinha, vai correndo caçar a sua turma. Afinal, ficar no ninho do pappy e da mammy já virou “mico”. Os manos e as minas querem mais é andar com os seus, certo? Bom, pode ser para muitos mas não pra mim. Eu até fazia um esforço, pois achava anti-natural o fato de  não ter tantas amigas pra ligar (meus pais amaram, pois a conta de telefone sempre veio com uma folha só!), ou baladas para ir. Quando me metamorfoseei em adolescente, fui, aos poucos, me rendendo conta de uma coisa: eu podia até ser festa em forma de gente, mas não tinha amigos. Era difícil me encaixar no meio das pessoas. Gostava da algazarra, mas precisava desesperadamente ficar sozinha, no meu mundo, com as minhas coisas e idéias. Até tentei encenar o papel da “Descolada da breca” mas foi um desastre interno. Que nem no fatídico Carnaval de Diamantina.

Eu tinha 17 anos e estava no 3o. colegial. Nos anos anteriores era a mesma massada: as aulas começavam, os alunos formavam os grupinhos e começavam a armar os “esquemas” do carnaval. Era gente indo pra Ouro Preto, São João del Rey e outras cidades festeiras no interior. Daí, quando passava a fuzarca toda, o povo voltava pra aula contando mil peripécias de chapações, maconhas ultra clandestinas, sei lá quantos mil beijos na boca e virgindades perdidas. Eu ficava ouvindo, sorrindo, acenando com a cabeça, fazendo, como diz minha Irmã, cara de “poker face”.

No fundo, ficava com a maior preguiça só de pensar na bagunceira. Dava nó no estômago de imaginar a ressaca no meio da rua. Preferia uma bebedeira no aconchego da casa de alguns colegas, onde poderia amanhecer no sofá confortavelmente.

Porém, naquele ano, resolvi que queria me “enturmar”no Carnaval e que seria mais “descolada”(fui descobrir, depois, que eu estava descoladíssima só que de mim mesma!). Arrumei uma caravana de colegas do bairro para a festança em Diamantina. Todo mundo na maior animação e eu lá com aquele sorriso amarelo, fazendo um esforço hercúleo pra achar aquilo tudo divertido. Fiquei num sítio afastado da cidade. Fomos todos  para o centro – onde a muvuca comia solta – pra ver qual era. Cara, quando cheguei lá, queria me teletransportar na mesma hora! Me senti o próprio ET de Varginha! Aquilo não era divertido nem um pouco!!!! Passei os outros três dias curtindo sozinha no sítio, tomando banho de cachoeira, andando descalça. Enquanto isso, a “Caravana Marombeira” se acabava de tanto carnaval!

Claro que quando voltei pra escola, jurei de pé junto ter cumprido cada etapa sagrada do Carnaval em Diamantina: virei noites bêbada sem dormir, beijei uma fila de garotos, corri atrás de sei lá quantos blocos. E ai de quem dissesse que fiz o contrário!!!!! Por uma semana fiz parte do clã da escola. Foi o máximo que aguentei. Eles até me queriam perto por mais tempo, mas eu já havia saído à francesa há uns 5 recreios. Afinal eu era engraçada, tinha piadas na ponta da língua, passava cola e era boa ouvinte. A minha personalidade selvagem também causava admiração em alguns.

Daí, passaram-se muitas coisas, eventos, lugares, pessoas. Mas essa “inadequação”, essa necessidade de solidão e a sensação de não pertencer sempre me acompanharam. Descobri, desde pequena, um par de asas clandestino nas costas. Muitos já disseram ser uma aberração ou um “troço que só serve pra dar problema, que nem o apêndice.”

Quando se é um animal alado, um belo dia a Natureza te chama. Parece um sussurro milenar, cheio de dor e de amor vindo do fundo de um abismo…sem fundo. Fiquei atordoada! Não sabia o que fazer, até que a Mãe Pássaro olhou para mim com olhos de ternura e, cheia de amor, deu um chute na minha bunda. Caí penhasco abaixo, em queda livre! No começo, fazia uns movimentos desengonçados…mas aos poucos encontrei um ritmo interno e ancestral de bater as asas. Foi assim que voei pela primeira vez.

Com a consagração de minhas asas, veio uma vontade genuína de ceder ao meu Ser e compreender seus desígnios, fraquezas, perguntas e respostas. Percebi que não fazia parte da minha família de sangue e não era apegada às pessoas (do jeito “sociedade”de ser). Precisava seguir meu caminho.

Percebi que não tinha amigos de 20 anos porque não era da minha natureza. Havia algo em mim que dizia: “Joana, as pessoas vêm, te entregam um presente – pode ser uma banana ou um diamante . Você também entrega sua banana ou diamante e depois, cada um voa de acordo com sua bússola interna.” Compreendi também que os animais têm instintos e que, respeitar os meus seria a melhor maneira de não me transformar num lobo espumante de loucura. Foi por isto que as convenções sociais e a conivência com este modo automático e Mc’Donalds de ser perdem cada vez mais voz e espaço em minha vida.

É muito difícil para a maioria das pessoas compreender. Elas têm um monstro faminto dentro de si que clama por atenção, importância e segurança. É inaceitável quando você não alimenta o monstro delas e não leva o seu próprio pra brincar no playground com os outros. As pessoas acham que são as coisas mais lindas e importantes do mundo. É inadmissível que você lhes diga o contrário. “Como assim, cê não vem na festa? Tá todo mundo da turma de 87 aqui: o Chico, a Griselda, a Claúdia, o Barriga!!! Pode vir, AGORA!!!”. Não meu bem, não vou!

Também querem que você ligue, mesmo que não tenha nada para dizer. Porque nesse alvoroço social, elas se esquecem da força silenciosa do Amor, que conecta sem hora, sem palavras, sem esforço. Você é minha prima? Uai, no sobrenome sim…mas minha prima de coração mesmo é aquela pretinha que mora lá no final do quarteirão, com quem vou conversar e trocar receitas de bruxaria, não você. Amar, porque nosso sangue é O negativo? Ou porque nas festas de Natal, já nos adestraram que é tempo de união e comunhão entre as pessoas? Sinto muito, mas meu Amor é um bicho indomado que flui na direção que melhor lhe convém e sem hora marcada.

Para mim, chegou o fim da era de conivência com esta força estranha e castradora que, reside em mim mas não sou EU. Se estou andando sobre espinhos e você quer caminhar ao meu lado, traga seus sapatos se seus pés são de pão-de-ló. OU ENTÃO…MELHOR AINDA…NÃO VENHA! Pois não vou amaciar suas pegadas, só porque é a política da boa vizinhança.

E o melhor está por vir…

As pessoas, tadinhas, tapadas, não entendem!!!! A total responsabilidade pelo meu Ser Alado e Selvagem dá a elas o espaço seguro e tranquilo para serem e fazerem o mesmo. Para não ligarem ou para ligarem se quizerem. Para se afastar ou se aproximar, se é isto que a alma pede. No entanto, elas se debatem choronas e desesperadas que nem gansos se afogando em bacias. Elas não aceitam, não entendem, e…ora bolas!…é direito delas!

Enquanto isso, penas novas vão crescendo em minhas asas. Em cada vôo, encontro irmãos de jornada pelo caminho, que sorriem e acenam enquanto voam rápidos feito pensamento. Estou segura de que a Natureza que me jogou ladeira a baixo é a mesma mão carinhosa que me impulsiona a seguir em frente. É Ela a força sublime que me deu asas e me ensinou como usá-las. E é através Dela que sigo meu caminho e grito em alto e bom tom: “Sou diferente mesmo!!!! Sou um cisne!”Image

Sobre BruxaMustang

Eu sou eu. Já uma amiga, me disse que sou uma acidez que refresca.
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22 respostas a Manifesto contra a conivência

  1. Edna oliveira diz:

    Assim e.Eu Te amo sou grata!

  2. Andréa Cappai diz:

    Adorei o texto Joana, e conhecer um pouquinho mais de você!!! Muito bem!!! Beijos.

  3. Luisa diz:

    Jô,
    Não sabia que vc era tão boa com as palavras, adorei te ler!!!
    Tenho um grande apresso pelas pessoas verdadeiras.
    Beijos

  4. Sophidia diz:

    Que asas! :O
    Adorei… adorei…

    E acho que me encontro nessa fase… identifico-me com as suas palavras! De certo modo, também devo de ser um Ser Selvagem e Indomável. A minha mãe diz que sou como o vento: “ninguém me controla e danço como quero”. Oh enfim… agora percebo que não é assim tão extraordinário ter um feitio diferente e arrojado e já não tenho motivos por me sentir mal com isso… Não é que me sentisse verdadeiramente mal, mas sentia que me tentavam mudar… e quando se está bem consigo própria não se percebe porque os outros nos tentam mudar. Eu não mudo e não é por teimosia é mesmo por orgulho de ser quem sou. Não me agarro a ninguém! Dou o que posso dar, recebo o que me podem dar… mas eu gosto de conhecer pessoas novas, conviver com todo o tipo de pessoas… faz-nos bem! Ajuda-nos a perceber melhor o mundo. Se nos perdemos às mesmas pessoas e não nos libertamos acabamos por viver num ciclo vicioso, com a mesma geleia de novidades baseadas na “cosquice” das vizinhas. Acho que merecemos mais que isso…

    Por isso, obrigada!
    Obrigada pelo seu texto deveras cativante.

    • Olá!

      É bom ter asas, né?! Mas também sabemos o preço do comprometimento com nossa Natureza. E mais ainda, o quanto cada conexão com cada ser, cada peça, cada pista desse grande jogo é Sagrada. As relações entre seres são divinas, são coisas maravilhosas. Porém como tudo que é demais, transformou-se no anestésico, na muleta, na droga que nos leva para longe de nosso Centro Essencial. Queremos preencher este espaço com mil pessoas, festas, fatos, fotos… f f f f f! Ufa! Se o Ser Selvagem chama… é com um rugido! E se resistimos a tentação de fugir, é hora de começar a jornada!!!

      Obrigada pelo seu feedback!

      Um abraço cheio de luz,
      Sahana (Joana)

  5. Mariana Lima Abreu diz:

    Jo, amei seus sentimentos articulados em palavras, tao simples, tao honesto. Voce ‘e uma das pessoas mais conectadas consigo mesma que conheco, e te admiro muito por isso, assim como aprendo muito sobre mim, por voce. Nao ‘e facil manter tanta autencidade, integridade quando o desejo do outro pode se fazer presente de forma insistente, implicita ou nao. Me identifiquei com varias das suas cenas internas que fui lendo.Escreva sempre! Beijao!

  6. Marina Milagres Bras de diz:

    Oi, Jô! Lindo seu texto, lindas e sábias palavras… Amei! Um beijo bem grande!

  7. marcela diz:

    “Quando uma mulher encontra a si mesma dentro de si ela está longe de qualquer perigo” — Yogi Bhajan

  8. Janaina diz:

    Joana!!!!!!!!!!!!!!
    que lindo adorei!!!!!!!!!!!
    beijos alados
    Janaina

  9. Juliana diz:

    Joana, passaro da alma – borboleta, sua alegria é extremamente feliz.
    Bjão. Ju

  10. Ei, fessora.

    Li seu texto, cheio de idéias xamânicas… Gosto muito dessa maneira de ver a vida. Me sinto assim também e, muitas vezes, assim se torna a única saída para que eu possa ver e sentir claramente o meu próprio viver. Mas fico aqui com um pensamento inquietante que me diz coisas como:
    Ter um filho por exemplo e ser parte de nossa natureza isso tornaria, talvez, inviável a prática da solidão pensando e agindo apenas pelas minhas esferas ideais,uma vez que a outra vida precisará que eu caminhe lado a lado com ela até que ela possa voar na independência de suas próprias asas… penso enquanto pai, mas fico imaginando que no caso das mães, isso deva ter uma proporção ainda maior e incalculável para mim enquanto um homem…
    Sim, essa ideia (ocidental/machista/eurocêntrica/heteronormativa/racista) de sociedade não é confortável a qualquer um que não se enquadre em seus padrões. Mas há povos que propõem outras maneiras de enxergarmos a vida em comunidade ou o entendimento de nossa a relação com o outro, com a vida. Essas maneiras não tem visibilidade nessa sociedade ocidental, são apagadas ou pela norma vigente ou pela imparcialidade diante das diversas discriminações a que estamos sujeitos, quer estejamos sozinhos ou não.
    Vejo sua trajetória, e admiro imensamente. Me identifico com seus percalços e me sinto menos sozinho.
    Isso tudo aqui é um brainstorm, Demora um tempo para construir minhas linhas de raciocínio, daí talvez com o tempo consiga me expressar melhor. Aqui, conto com sua sensibilidade de extrair da minha vontade de dizer, o que eu quis dizer. rsrsrs

    É um grande prazer ser seu aluno, visse!!!???!!!?!?!!
    Muito Asè
    Há braços (by Abreu Praxe)

    Itamar Bambaia

    • Oi Querido,

      seu comentário é lindo! Adorei…

      Lindo ver um homem que sente gana de mergulhar na experiência paterna e se reconstruir de corpo e alma à partir disso. Aho!

      Nunca fui mãe de fato, a não ser dos meus irmãos mais novos, quando minha mãe partiu para a Inglaterra e meu pai foi morar em Sampa. Depois desta experiência tão alucinante e difícil (eu tinha 21 anos), fiquei muito tempo tendo medo de filhos, barrigas grávidas…etc.

      Sinto que meu caminho não é convencional. Talvez eu nunca me case ou tenha filhos… realmente não sei.

      Mas quando penso num filho (tenho uma filha sideral que vem conversar comigo várias vezes…ela é linda e chamei-a de Anastácia, que nem minha bisavó), imagino que tudo o que tenho a dar é meu próprio ser. Meus pais nunca me deixaram nada, além desta vida magnifica e de seu ato corajoso de me por no mundo. Cuidaram de mim até um certo tempo e depois…me liberaram para bater minhas asas… à duras penas.

      E vejo que foi a coisa mais linda de todas. Imagino, o que é ter nas mãos uma jóia preciosa EMPRESTADA e ter que cuidar dela por um tempo. Um grande desafio, até pq estamos na eterna jornada de dar conta da gente mesmo, que dirá de um anjo?

      Mas sempre penso e converso com a Anastácia, dizendo a ela, que serei tudo o que sou. E que, se o Universo me permitir, sempre me lembrarei deste pensamento: “por Amor te dou meu sangue… por amor, te dou minha vida…mas é com suas próprias pernas e a bravura do seu coração que você há jornar sua jornada! Te amo Filha Estelar.”

      Tenho orgulho tê-lo conhecido, assim como cada um de seus colegas. De repente…meu jardim ficou florido de companheiros!!!

      Beijos de luz,
      Sahana

  11. Ana Beatriz diz:

    Joana, adorei seu texto… e acho que todo o mundo já se sentiu assim algum dia ! A busca pela própria identidade é um passo muito importante na vida de cada um e, sempre existirá alguém para julgar ou não entender o porque de nossas escolhas.
    Faço das palavras do Bambaia as minhas, ‘é um prazer ser sua aluna’ .

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